Luiz Caversan - Pais, filhos e boas maneiras

Dia desses enfrentei um estresse típico de grande cidade, mas que acabou por oferecer bons momentos de reflexão, sobretudo pela conexão com o caso dos trogloditas da Barra da Tijuca que espancaram aquela pobre moça, barbárie fartamente noticiada.

Tarde da noite, estava ao volante subindo uma alça de um dos muitos viadutos de São Paulo quando, no final da curva, vejo um veículo que, ao tentar desviar de outro, quebrado, empreendia uma manobra arriscada na pista.

Não deu outra: os freios e a mudança brusca de direção foram insuficientes para evitar o impacto.

Felizmente, apenas danos materiais, tanto no meu veículo quanto no outro, de onde logo saíram dois jovens na casa dos vinte e tantos anos, um deles, o motorista, bem nervosinho.

"Está tudo bem aí?", perguntei.

"Claro que não, seu barbeiro, olha o que você fez no meu carro."

Ainda bem que, em sua grosseria, o rapaz não me chamou de tio, porque aí soaria mais ofensivo...

De qualquer maneira tentei acalma-lo, dizendo que ele estava numa manobra arriscada e que eu de fato não consegui parar.

Foi a conta para que ele quisesse partir pra ignorância. Mas outros carros e motoristas já estavam atulhados na pista, e pessoas mais equilibradas impediram que o rapaz cometesse alguma impropriedade.

"Ok, vamos chamar a polícia", disse eu, já que o caminho da conversa civilizada estava fatalmente obstruído.

"Isso mesmo!", gritou o rapaz. "Vamos chamar a polícia, porque você não sabe com quem está falando!"

Pronto, estava armado o circo.

O menino tinha as "costas quentes" e estava ali louco para exercer o seu poder.

"E porventura com quem eu estou falado?"

"Meu pai é coronel da PM e vai resolver rapidinho isso aqui. Você vai se dar mal..."

Bem, para encurtar a história, logo chegou uma viatura com dois policiais, que educadamente vieram ouvir minha versão e em seguida foram conversar com o rapaz, que não titubeou em dar ordens, exigindo que eles me inculpassem e, pelo rádio, localizassem o tal coronel.

Ficamos nessa lenga-lenga durante uns 40 minutos, os PMs já pelas tampas com o garoto, até que desce de um automóvel um senhor grisalho, magro e que calmamente olhou os dois carros batidos. Foi logo assediado pelo nervosinho que, gesticulando muito, começou a esbravejar. Mas logo viu-se contido por um indiscutível "cala boca" do pai-coronel.

Em seguida, o senhor sacou sua identificação funcional e foi conversar com os policiais, que bateram continência e relataram a situação e as atitudes do filho.

Menos de cinco minutos depois, ele dirigiu-se a mim educadamente e com ar grave e ligeiramente envergonhado, disse: "Eu peço sinceramente que o senhor desculpe as atitudes do meu filho. Em nossa família não toleramos esse tipo de comportamento e ele vai se haver comigo. Eis meu cartão, o sr. providencie o conserto do seu carro e me mande a conta, por gentileza."

Imediatamente ele chamou o filho num canto e passou uma descompostura tão grande, mas tão grande no rapaz que deu até pena. Não alterou a voz, não fez gestos bruscos, apenas exerceu, como se deve, o papel, o direito e o dever de pai de um jovem abusado, colocando-o em seu devido lugar.

Claro que me lembrei do coronel quando vi o pai de um dos agressores da doméstica dizendo mais recentemente que seu filho era uma "criança" e não deveria estar "preso junto com bandidos".

Ao invés de sentir vergonha pelo seu fracasso como pai, quis remediar o irremediável pelo lado mais nefasto, o da desfaçatez, o da dissimulação, o da mentira. "Os pais não têm culpa", chegou a dizer o cidadão, Ludovico Ramalho.

Se pudesse eu gostaria de dizer o seguinte a esse pai: tem culpa sim, eu me sentiria um lixo, um desnaturado se por desventura viesse a enfrentar uma situação dessas, em que com a desculpa de proteger o filho, perde-se a noção da vergonha e do mínimo bom senso.

São pais assim que criam filhos assado...

Ainda bem que ainda há cidadãos como o coronel da outra noite.

Fonte: Folha Online

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