Somos nós os bons e velhos destroços do mundo,
os tons que os cegos não vêem como instante.
Somos a apologia, somos o verso, somos o amor distante,
a heresia, o assomo imerso no torpor profundo.
Somos o ébrio enevoado, a sujeira, a vereda sem retorno,
a corneta do arauto dando o som do fim do dia;
dia que, feito eterno, não terminaria
nas belezas que a noite esconderia feito brilho em ouro.
Somos o assombro, o desgosto, o retorno, a lamúria,
certa fúria incestuosa de veneno cáustico,
confidências, clamores, dizeres acústicos
(as dores das horas, perene penúria).
Mas o que poderíamos ser se a vida não nos desse as costas?
Talvez oásis, vento frio, forte café da madrugada...?
Seríamos a melancolia incessante, a alma dilacerada,
o ganho conquistado pelas mais altas apostas?
Não seríamos nada além do nada deposto em coisa alguma;
o inverso dos fatos em todos os versos escritos nos becos;
assim, haveríamos como sustentar os gritos secos,
estados sentidos, retidos na mesma ironia impura?
Nosso pesar é tal como enrubescida lâmina,
voz presa na garganta que nos chama feito flechas –
que amedronta as verdades encontradas apenas em brechas,
apenas em medos: segredos que se hasteiam feito flâmula.
E por entre a noite fria – clamo que me digam o que posso ser –,
sem temer que posso ser a mágoa ressentida e fria,
esquecer que já me fui um delírio de agonia
na calada previsão deste martírio a me conter.
Calo-me em receios, devaneios, excessos em alusão;
fecho-me em descasos, inquietudes, perguntas para o ar;
vejo minh´alma, sozinha novamente, pondo-se a definhar...
e aguardo o meu momento de cantar a melodia da ilusão.
Fonte: Paraíso Niilista
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