Foi plantada no mar
E entre corais se levanta.
O salitre é seu ar,
Sua coroa, sua trança
de salsugem,
Seu vestido de ametista,
Seu manto de sal
E musgo.
Armada em firme silêncio
Dependura-se dos montes
E tão precário equilíbrio
Se propõe
Que além da porta ou portada,
De janela ou de horizonte,
O que a sustenta é o mistério,
Triste chão, sombra vazia,
Tempo escorrendo das pedras,
Lacerado nas esquinas,
Tempo — sudário e guia.
Mas que fera (ou animal)
Esta cidade antiga
Com sua densa pupila
Espreitando entre torres,
Seu hálito de concha
A babujar segredos,
Deitada entre os meus pés,
Minha cadela e amiga.
Repete esta dureza
Este arfar entre dentes,
Seu pulmão de basalto
Onde a morte respira.
E nas sombras da tarde
Em sangue no poente,
Abre os olhos sem pálpebras
E dança. Em maresia
E estrelas afogada.
E nesta coreografia,
Sopro de antigas paisagens
Um calendário se arrasta,
Nas corroídas legendas
Apodrecidas fachadas
A mastigar as divisas
E outros símbolos manchados,
Nos brasões onde goteja
O limo do esquecimento.
Não fosse a imaginada
Profecia, face e apelo
Das inscrições lapidares
Palimpsesto ou astrolábio
Na pedra, na cal, nos muros,
Fendida casca de um mundo
Coagulado em memórias.
Restavam ossos e nomes,
Desassistida batalha
Contra o tempo. E esta cidade,
Com seu signo, seu quadrante
De cristal,
Sua mensagem de calcário,
Desfeita em vaga o soluço,
Mergulharia no espaço
Pássaro alado, albergália.
Fonte: Jornal de Poesia
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário