Machado de Assis - Manhã de Inverno

Coroada de névoas surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça
Nos olhos da fantástica indolente.
Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.
A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco: e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro.
Como através de um véu fulge o diamante.
Vento frio, mas barato agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva:
Erma de flores, curva a planta o colo
E o chão recebe o pranto da viúva.
Gelo não cobre o dorso das montanhas
Nem enche as folhas trêmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.
Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale
Já se vão descobrindo os horizontes.
Sobe de todo o pano, eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário
Tudo ali preparou cos sábios olhos
A suprema ciência do empresário.
Canta a orquestra dos pássaros no mato
A sinfonia alpestre, - a voz serena
Acorda os ecos tímidos do vale;
E a divina comédia invade a cena.

Fonte: Wikisource

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