Boca que arrasta minha boca:
boca que me tem arrastado:
boca que vem de muito longe
a iluminar-me de raios.
Alba que dá a minhas noites
um resplendor rubro e branco.
Boca povoada de bocas:
pássaro cheio de pássaros.
Canção que mexe as asas
para cima e para baixo.
Morte reduzida a beijos,
sede de morrer com vagar,
dás à grama sangrante
um duplo bater de asas.
O lábio de cima o céu
e a terra o outro lábio.
Beijo que roda na sombra:
beijo que vem rodando
desde o primeiro cemitério
até os últimos astros.
Astro que tem a tua boca
emudecido e fechado
até que um roçar celeste
faça vibrar tuas pálpebras.
Beijo que vai a um porvir
de homens e de mulheres,
que não deixarão desertos
nem os campos nem as ruas.
Quanta boca já enterrada,
sem boca, desenterramos!
Bebo em tua boca por eles,
brindo em tua boca por tantos
que caíram sobre o vinho
dos cálices amorosos.
Hoje lembranças, lembranças,
beijos distantes e amargos.
Afundo em tua boca minha vida,
e ouço rumores de espaços,
e o infinito sobre mim
parece se ter entornado.
Hei de voltar a beijar-te,
hei de voltar: afundo, caio,
enquanto descem os séculos
até os profundos abismos
como uma febril nevada
de beijos e namorados.
Boca que desenterraste
o amanhecer mais claro
com tua língua. Três palavras,
três fogos tens tu herdado:
vida, morte, amor. Aqui,
escritos sobre teus lábios.
(Tradução: Sidnei Schneider)
Fonte: Umbigo do Lago
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário