Mario Quintana - Simultaneidade

- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.

Fonte: A Magia da Poesia
Boca que arrasta minha boca:
boca que me tem arrastado:
boca que vem de muito longe
a iluminar-me de raios.

Alba que dá a minhas noites
um resplendor rubro e branco.
Boca povoada de bocas:
pássaro cheio de pássaros.
Canção que mexe as asas
para cima e para baixo.
Morte reduzida a beijos,
sede de morrer com vagar,
dás à grama sangrante
um duplo bater de asas.
O lábio de cima o céu
e a terra o outro lábio.

Beijo que roda na sombra:
beijo que vem rodando
desde o primeiro cemitério
até os últimos astros.
Astro que tem a tua boca
emudecido e fechado
até que um roçar celeste
faça vibrar tuas pálpebras.

Beijo que vai a um porvir
de homens e de mulheres,
que não deixarão desertos
nem os campos nem as ruas.

Quanta boca já enterrada,
sem boca, desenterramos!

Bebo em tua boca por eles,
brindo em tua boca por tantos
que caíram sobre o vinho
dos cálices amorosos.
Hoje lembranças, lembranças,
beijos distantes e amargos.

Afundo em tua boca minha vida,
e ouço rumores de espaços,
e o infinito sobre mim
parece se ter entornado.

Hei de voltar a beijar-te,
hei de voltar: afundo, caio,
enquanto descem os séculos
até os profundos abismos
como uma febril nevada
de beijos e namorados.

Boca que desenterraste
o amanhecer mais claro
com tua língua. Três palavras,
três fogos tens tu herdado:
vida, morte, amor. Aqui,
escritos sobre teus lábios.

(Tradução: Sidnei Schneider)

Fonte: Umbigo do Lago
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.

Viveram três anos assim: toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...

Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Fonte: Provocações
Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres tem extinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como o "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu se tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importante para alguém mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
um dia descobrimos que apesar de viver quase um século
esse tempo todo não é suficiente
para realizarmos todos os nossos sonhos,
para beijarmos todas as bocas que nos atraem,
para dizer tudo o que tem que ser dito..
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutar para realizar todas as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação.

Fonte: A Casa do Bruxo
E aquele, entre os homens, que não quer voltar ao pó,
É preciso antes que comece a cantar em qualquer canto um canto de dor.

E aquele, entre os homens, que não quer gestar intrigas,
É preciso antes que aprenda a calar em todas as línguas.

E aquele, entre os homens, que não quer morrer de solidão,
É preciso antes que comece a beijar todas as bocas.

E aquele, entre os homens, que não quer morrer sem verdade,
É preciso antes que aprenda a acreditar em todas elas.

E aquele, entre os homens, que não quer morrer de tédio,
É preciso antes que aprenda a ser todos de todas as maneiras.

E aquele, entre os homens, que quer permanecer íntegro,
É preciso antes que saiba silenciar todas as falas.

E aquele, entre os homens, que quer permanecer sensível,
É preciso antes que saiba sentir tudo de todas as maneiras.

E aquele, entre os homens, que quer permanecer são,
É preciso antes que saiba ter todas as loucuras.

Fonte: Provocações
Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Fonte: Velhos Amigos
Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.

O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.

A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.

(Tradução: Antônio Moura)
Estava emparedado dentro de um sonho,
Seus muros não tinham consistência
Nem peso: seu vazio era seu peso.
Os muros eram horas e as horas
Fixo e acumulado pesar.
O tempo dessas horas não era tempo.

Saltei por uma fenda: às quatro
Deste mundo. O quarto era meu quarto
E em cada coisa estava meu fantasma.
Eu não estava. Olhei pela janela:
Sob a luz elétrica nem uma viva alma.
Reflexos na vela, neve suja,
Casas e carros adormecidos, a insônia
De uma lâmpada, o carvalho que fala solitário,
O vento e suas navalhas, a escritura
Das constelações, ilegíveis.

Em si mesmas as coisas se abismavam
E meus olhos de carne as viam
Oprimidas de estar, realidades
Despojadas de seus nomes. Meus dois olhos
Eram almas penadas pelo mundo.
Na rua vazia a presença
Passava sem passar, desvanecida
Em suas formas, fixa em suas mudanças,
E em volta casas, carvalhos, neve, tempo.
Vida e morte fluíam confundidas.

Olhar desabitado, a presença
Com os olhos de nada me fitava:
Véu de reflexos sobre precipícios.
Olhei para dentro: o quarto era meu quarto
E eu não estava. A ele nada falta
- sempre fiel a si, jamais o mesmo -
ainda que nós já não estejamos... Fora
contudo indecisas, claridades:
a Alba entre confusos telhados.
E as constelações que se apagavam.

(Tradução: Antônio Moura)
A água perfura a pedra,
o vento dispersa a água,
a pedra detém ao vento.
Água, vento, pedra.

O vento esculpe a pedra,
a pedra é taça da água,
a água escapa e é vento.
Pedra, vento, água.

O vento em seus giros canta,
a água ao andar murmura,
a pedra imóvel se cala.
Vento, água, pedra.

Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.

(Tradução: Antônio Moura)
Palavras? Sim. De ar
e perdidas no ar.
Deixa que eu me perca entre palavras,
deixa que eu seja o ar entre esses lábios,
um sopro erramundo sem contornos,
breve aroma que no ar se desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.

(Tradução: Haroldo de Campos)
O Homem com toda fortaleza
é um fraco.
Enquanto está bem esconde
sua fraqueza.
Quando está só
Busca em Deus que tenha dó.

Reza, promete, implora,
Fala, grita e chora.

Fonte: Antonio Miranda Home Page

Eminem - Guilty Conscience (feat. Dr. Dre)


Link: http://youtube.com/watch?v=P5QOyPyimCc

Link: http://youtube.com/watch?v=YIT3xvCHQG4

Link: http://youtube.com/watch?v=BvJr66cZUhc

Link: http://youtube.com/watch?v=sfBw0IWwO5U

Link: http://www.youtube.com/watch?v=6BejKLD2GRA

Fonte: Bloguesteira!

Link: http://youtube.com/watch?v=fW0BZsOcZZE

Link: http://youtube.com/watch?v=a1uV5oHMPoA

Bodybuilding, a true story


Link: http://youtube.com/watch?v=D_MC72Q4E40

Eliana Teixeira - Triste alimento

Que visão abençoada
Esse bezerrinho mamando
Sobre o tapete orvalhado
De capim

Que cena perfeita
Essa mãe de olhos mansos
Que sabe proteger o filho
Como todas as mães

Mas todos os filhos partem, um dia
E ele será levado, inocente,
Apertado entre inocentes,
E sentirá tanta sede...
Água fresca que só seus olhos doces
Parecem implorar

E terá fome e solidão.
Será levado ao ritual cotidiano e indiferente
De tortura e dor
De choque, sangue e morte.

(Meu coração se recusa a compreender esse tristíssimo alimento).
Meditar.
Meu refúgio em silêncio
Minha mente serena
Meu coração desperto

Oração silenciosa
Que me identifica
Sem números
E sem registros

Não mais eu-com-documentos
E obrigações
E deveres
E horários a cumprir

E sorrisos a dar,
Nem aplausos
Nem explicações

Deixem-me ser assim
Desperta e distante
E ao mesmo tempo
Tão envolvida
E tão próxima

O olhar que se aproxima
Enche de luz a minha alma
Sei que já não sou
E sou

Sei também que sou o ser
Que se aproxima

Também sou luz no silêncio da noite.
Alto muro que cerceia novos sentimentos
Muro novo
- cimento e pedra -
Obstruindo inconfessáveis desejos
Molda o ser para que não ultrapasse
O limite do inatingível
- do inatingível -
Sentimento azul
- borboleta e pássaro -
Sobrevoando a barreira dura e áspera
Da minha mais completa solidão.
Serviço Consular

Com cartas brancas,
senhor cônsul solta
Pombos de papel.

                          Gota de orvalho
                          na corola dum lírio:
                          Jóia do tempo.
Esfarinhar a palavra granulada,
arrancando-lhe dermes e músculos,
até a medula do mármore precário
que aprisiona sua gloriosa fatuidade.

Fazer dos sentidos catacumbas
onde apodreçam os desabafos;
da vigília silente e insalubre,
um assalto à normalidade abjeta.

Corromper a palavra benta
enquanto esperança sem nome;
não basta engolir-lhe os fluidos,
há de esganá-la no útero árido,
antes que luza outra certeza vulgar.

Afogar os discursos insípidos
nesta fossa de metros exemplares,
a purificá-los de futuros,
rindo de seu refulgir afásico.

Da palavra lograda,
monumento faustoso,
limpar a porção pedra
que impregna de acridez
sob a urina dos anônimos.

Ainda que obsedado por luzes,
ignorar as emanações de alento
jorradas desse absurdo intenso
que tudo engolfa, conota e eterniza.

Dissecar a palavra cadáver,
extrair o cisto que a explica
e exsudá-lo na seiva ignara
que se oferendará ao mar.

Esperar que adormeça, decantada,
reciclando sua sina de resíduo,
buscar na areia a mensagem impossível
e então, à brasa do sol, castigá-la.

Fonte: Jornal de Poesia
Os senhores que ora proseiam,
meu nobre colega,
não têm a tua elegância.

Nem conhecem a ignorância,
não desconhecer,
mas a de ser ignorar-se.

A ser da incompletude.

Se o verdadeiro solitário
é aquele que fala sozinho
mesmo quando não está só,

esses que ora proseiam
imaginam que escrevo
sem eles nem por perto.

Mal podem, os senhores que proseiam,
entretidos que estão com seus tédios,
determinar se é a janela do prédio
ou a deles, seres-edifícios,
que os conduz a apartamentos vazios.

Fonte: Jornal de Poesia
Para quando será a entrega?
Está sendo aguardada
com todas as ardentias
Virá num ribombar de raios
e nada deixará sobre o solo
Não será o tridente
ou a tocha de ferro dos deuses
Também a semente prepara
o estalo de alguma entrega
Dará as veias da madeira
ou a arrogância do espinheiro
Também o sol prepara
o esvaziamento de uma entrega
Dará um barro quebrado
no poço onde estaria a aguada
Virão as ardências da pele
e a esfrega será putrefata
Virá a violência do meteoro
e a estrela será de pedra
Se não for de fogo
derramará seus grotões de água
E se a entrega for de leite
este também será derramado
nos intentos de impedir a trégua
E será possível tocar na dor
com a entrega do balde de lágrima

Fonte: Jornal de Poesia
Grito maior não há
—vai depois de um zênite
Dá a volta ao mundo em oitenta ecos
em um debrum de portais
Em Aldebarã não agüenta mais
O primeiro olho vê
e o segundo pensa
Vejo meu tanto de sol
e outros ainda dirão que é grito
Armo as minhas armadilhas
e ainda dirão que nunca houve o grito
Acendo o fogo em minhas carnes
e dirão que é podre a lenha do grito
A palavra está em tudo
Um não vê nenhum debrum de portais
Por não vê-lo tropeça no baldrame do grito

Ordenhamos um debrum de tetas
Em cada úbere o mais puro leite
Em cada palavra o mais denso corpo
Todos sentados no baldrame
à espera de quem ame e de quem grite
Em Aldebarã é tensa a espera

Fonte: Jornal de Poesia

Battles - Atlas


Link: http://youtube.com/watch?v=IpGp-22t0lU

Gregório de Matos - Coplas

Não sei, para que é nascer
neste Brasil empestado
um homem branco, e honrado
sem outra raça.

Terra tão grosseira, e crassa,
que a ninguém se tem respeito,
salvo quem mostra algum jeito
de ser Mulato.

Aqui o cão arranha o gato,
não por ser mais valentão,
mas porque sempre a um cão
outros acodem.

Os Brancos aqui não podem
mais que sofrer, e calar,
e se um negro vão matar,
chovem despesas.

Não lhe valem as defesas
do atrevimento de um cão,
porque acode a Relação
sempre faminta.

Logo a fazenda, e a quinta
vai com tudo o mais à praça,
onde se vende de graça,
ou fiado.

Que aguardas, homem honrado,
vendo tantas sem-razões,
que não vás para as nações
de Berberia,

Porque lá se te faria
com essa barbaridade
mais razão, e mais verdade,
que aqui fazem.

Porque esperas, que te engranzem,
e esgotem os cabedais,
os que tens por naturais,
sendo estrangeiros!

Ao cheiro dos teus dinheiros
vêm como cabedal tão fraco,
que tudo cabe num saco,
que anda às costas.

Os pés são duas lagostas
de andar montes, passar vaus,
as mãos são dois bacalhaus
já bem ardidos.

Sendo dous anos corridos,
na loja estão recostados
mais doces, enfidalgados,
que os mesmos Godos.

A mim me faltam apodos,
com que apodar estes tais
maganos de três canais
até a ponta.

Há outros de pior conta,
que entre esses, e entre aqueles
vêem cheios de PP, e LL
atrás do ombro.

De nada disso me assombro
pois bota aqui o Senhor
outros de marca maior
gualde, e tostada.

Perguntai à gente honrada,
por que causa se desterra;
diz que tem, quem lá na terra
lhe queima o sangue.

Vem viver ao pé de um mangue,
e já vos veda o mangal,
porque tem mais cabedal,
que Porto Rico.

Se algum vem de agudo bico,
lá vão prendê-lo ao sertão,
e ei-lo bugio em grilhão
entre os galfarros.

A terra é para os bizarros,
que vêm na sua terrinha
com mais gorda camisinha,
que um traquete.

Que me dizeis do clerguete,
que mandaram degradado
por dar o óleo sagrado
à sua Puta.

E a velhaca dissoluta
destra de todo o artifício
fez co óleo um malefício
ao mesmo Zote.

Folgo de ver tanto asnote,
que com seus risonhos lábios
andam zombando dos sábios
e entendidos.

E porque são aplaudidos
de outros de sua facção,
se fazem co'a discrição
como com terra.

E dizendo ferra ferra,
quando vão a por o pé,
conhecem, que em boa fé
são uns asninhos.

Porque com quatro ditinhos
de conceitos estudados
não podem ser graduados
nas ciências.

Então suas negligências
os vão conhecendo ali,
porque de si para si
ninguém se engana.

Mas em vindo outra semana,
já caem no pecado velho,
e presumem dar conselho
a um Catão.

Aqui frisava o Frisão,
que foi o Heresiarca,
porque mais da sua alparca
o aprenderam.

As Mulatas me esqueceram,
a quem com veneração
darei o meu beliscão
pelo amoroso.

Geralmente é mui custoso
o conchego das Mulatas,
que se foram mais baratas,
não há mais Flandes.

Aos que presumem de grandes,
porque têm casa, e são forras
têm, e chamam de cachorras
às mais do trato.

Angelinha do Sapato,
valeria um pino de Ouro,
porém tem o cagadouro
muito baixo.

Traz o amigo cabisbaixo
com muitas aleivosias,
sendo, que às Ave-Marias
lhe fecha a porta.

Mas isso porém que importa
se ao fechar se põe já nua,
e sobre o plantar na rua
ainda a veste.

Fica dentro, quem a investe,
e o de fora suspirando
lhe grita de quando em quando
ora isto basta.

Há gente de tão má casta,
e de tão ruim catadura,
que até esta cornadura
bebe, e verte.

Todos Agrela converte,
porque se com tão ruim puta
a alma há de ser dissoluta,
antes mui Santa.

Quem encontra ossada tanta
nos beiços de uma caveira,
vai fugindo de carreira,
e a Deus busca.

Em uma cova se ofusca,
como eu estou ofuscado,
chorando o magro pecado,
que fiz com ela.

É mui semelhante a Agrela
a Mingota dos Negreiros,
que me mamou os dinheiros,
e pôs-me à orça.

A Mangá com ser de alcorça
dá-se a um Pardo vaganau,
que a cunha do mesmo pau
melhor atocha.

À Mariana da Rocha,
por outro nome a Pelica,
nenhum homem já dedica
a sua prata.

Não há no Brasil Mulata
que valha um recado só.
Mas Joana Picaró
O Brasil todo.

Se em gostos não me acomodo
das mais, não haja disputa,
cada um gabe a sua puta,
e haja sossego.

Porque eu calo o meu emprego
e o fiz com toda atenção,
porque tal veneração
se lhe devia.

Fica-te em boa, Bahia,
que eu me vou por esse mundo
cortando pelo mar fundo
numa barquinha.

Porque inda que és pátria minha,
sou segundo Cipião,
que com dobrada razão
a minha idéia
te diz "non possedebis ossa mea".

Fonte: Jornal de Poesia
De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.

Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.

Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

Fonte: Jornal de Poesia
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir, que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo o mar de enganos
Ser louco cos demais, que ser sisudo.

Fonte: Itaú Cultural
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarde!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz, e na que arde o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços –

Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

Nerina Pallot - Everybody’s Gone To War


Link: http://youtube.com/watch?v=9F3JH-e2zs4

Link: http://youtube.com/watch?v=XUy9kJFp52A

Link: http://youtube.com/watch?v=0jZhaQnhH3A

Link: http://youtube.com/watch?v=DiFUXBatLLk

Lisa Gerrard & Pieter Bourke - The Human Game


Link: http://youtube.com/watch?v=cAUuXhcXfCI

Link: http://youtube.com/watch?v=kGTygcQ9ix4

Link: http://youtube.com/watch?v=LFBijDU8PpE

Link: http://youtube.com/watch?v=dObAAeixkhs

Link: http://youtube.com/watch?v=J3pTHm_4X94
Além nos ares, tremulamente,
Que visão branca das nuvens sai!
Luz entre as franças, fria e silente;
Assim nos ares, tremulamente,
Balão aceso subindo vai...

Há tantos olhos nela arroubados,
No magnetismo do seu fulgor!
Lua dos tristes e enamorados,
Golfão de cismas fascinador!

Astros dos loucos, sol da demência,
Vaga, noctâmbula aparição!
Quantos, bebendo-te a refulgência,
Quantos por isso, sol da demência,
Lua dos loucos, loucos estão!

Quantos à noite, de alva sereia
O falaz canto na febre a ouvir,
No argênteo fluxo da lua cheia.
Alucinados se deixam ir...

Também outrora, num mar de lua,
Voguei na esteira de um louco ideal;
Exposta aos éolos a fronte nua,
Dei-me ao relento, num mar de lua,
Banhos de lua que fazem mal.

Ah! quantas vezes, absorto nela,
Por horas mortas postar-me vim
Cogitabundo, triste, à janela,
Tardas vigílias passando assim!

E assim, fitando-a noites inteiras,
Seu disco argênteo na alma imprimi;
Olhos pisados, fundas olheiras,
Passei fitando-a noites inteiras,
Fitei-a tanto, que enlouqueci!

Tantos serenos tão doentios,
Friagens tantas padeci eu;
Chuva de raios de prata frios
A fronte em brasa me arrefeceu!

Lunárias flores, ao feral lume,
— Caçoilas de ópio, de embriaguez —
Evaporaram letal perfume...
E os lençóis d'água, do feral lume
Se amortalhavam na lividez...

Fúlgida névoa vem-me ofuscante
De um pesadelo de luz encher,
E a tudo em roda, desde esse instante,
Da cor da lua começo a ver.

E erguem por vias enluaradas
Minhas sandálias chispas a flux...
Há pó de estrelas pelas estradas...
E por estradas enluaradas
Eu sigo às tontas, cego de luz...

Um luar amplo me inunda, e eu ando
Em visionária luz a nadar,
Por toda a parte, louco, arrastando
O largo manto do meu luar...
Pela primeira vez, ímpias risadas
Susta em pranto o deus da zombaria;
Chora; e vingam-se dele, nesse dia,
Os silvanos e as ninfas ultrajadas;

Trovejam bocas mil escancaradas,
Rindo; arrombam-se os diques da alegria;
E estoira descomposta vozeria
Por toda a selva, e apupos e pedradas...

Fauno, indigita; a Náiade o caçoa;
Sátiros vis, da mais indigna laia,
Zombam. Não há quem dele se condoa!

E Eco propaga a formidável vaia,
Que além por fundos boqueirões reboa
E, como um largo mar, rola e se espraia...
Morre comigo uma lenda

(E aqui deveria concluir meu texto
mas meu texto torna-se guloso
viciado
através de mim
por aquilo que morre comigo
somente
meu texto
Pelo que morre sem mim
sozinho
meu texto.)

(Tradução: Josefina Neves Mello)

Fonte: Projeto Releituras
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

Will It Blend? - Guitar Hero III


Link: http://youtube.com/watch?v=a7JCrbRr54w

Missy Elliot - Gossip Folks (feat. Ludacris)


Link: http://youtube.com/watch?v=TWfyydpAL74

Link: http://youtube.com/watch?v=WVheUcUR584

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Slipknot - Wait and Bleed


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Link: http://br.youtube.com/watch?v=uKwZ9HN1QA4

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Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam !

Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !

Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.

Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !

Deixaria neste livro
toda a minha alma...

(Tradução: William Agel de Melo)
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.

Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!

Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.

(Tradução: Afonso Felix de Sousa)
Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

(Tradução: William Agel de Melo )
Sei que há uma pessoa
que, dia e noite, me busca em sua mão,
encontrando-me, a cada minuto, em seu calçado.
Ignora que a noite está enterrada
atrás da cozinha com esporas?

Sei que há uma pessoa composta de minhas partes,
que eu completo sempre que o meu vulto
cavalga sua exacta pedrazinha.
Ignora que ao seu cofre
não voltará nenhuma moeda que saiu com seu retrato?

Sei o dia,
mas o sol escapou-me;
sei o acto universal que fez na cama
com alheia coragem e essa água morna, cuja
superficial frequência é uma mina.
Tão pequena é, acaso, essa pessoa
que até seus próprios pés assim a pisam?

Um gato é a fronteira entre eu e ela,
mesmo ao lado de sua malga de água.
Vejo-a pelas esquinas, abre e fecha
sua veste, antes palmeira interrogante...
que poderá fazer senão mudar de pranto?

Mas ela busca-me, busca-me. É uma história!
Um homem passa com um pão ao ombro
- Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?

Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
- Com que desplante falar da Psicanálise?

Outro entrou em meu peito com um pau na mão
- Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

Um coxo passa dando o braço a um menino
- Vou, depois, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
- Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?

Outro busca no lodo ossos e cascas
- Como escrever, depois, sobre o infinito?

Um pereiro cai de um telhado, morre, já não almoça
- Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
- Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o seu balanço
- Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé às costas
- Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar
- Como em seguida ingressar na Academia?

Alguém limpa uma espingarda na cozinha
- Com que desplante falar do mais além?

Alguém passa a contar pelos dedos
- Como falar do não-eu sem dar um grito?
Sucedeu
isto entre duas pálpebras; tremi
no ventre, colérico, alcalino,
parado junto ao equinócio lúbrico
ao pé do frio incêndio que me devasta.

O resvalo alcalino, digo,
mais perto do alho, sobre o sentido da calda,
no interior da ferrugem,
no ir da água e no rolar da onda.

O resvalo alcalino, também,
era enorme na montagem colossal
do céu.

Que dardos e arpões lançarei, se morrer
no ventre hei de dar em folhas de plátano sagrado
meus cinco ossos subalternos,
e no olhar o próprio olhar!

(Dizem que nos suspiros criam-se
acordeões ósseos, táteis;
dizem que quando morrem os que se acabam assim,
falecem fora do relógio, a mão
a segurar um sapato solitário)

Compreendendo tudo, coronel,
e tudo no sentido lastimável desta voz
castigo-me: extraio tristemente
durante a noite, as minhas próprias unhas
depois não possuo nada e falo sozinho,
inspeciono os semestres
e para encher as minhas vértebras, toco-me.


OUVE a massa, o teu cometa, escutai-os, não venhas carpir
a memória, gravíssimo cetáceo;
ouve a túnica com que estás sonâmbulo,
ouve a tua nudez, detentora do sonho.

Narra-te segurando
a cauda de fogo e os chifres
em que acaba a crina do rasto atroz;
rompe-te em círculos,
forma-te, mas em colunas curvas
descreve-te atmosférico, ser vaporoso,
ao passo reforçado do esqueleto.

A morte? Impugna todo o vestido!
A vida? Obsta parte da tua morte!
Fera venturosa, pensa,
deus desgraçado, despoja-te da fronteira.
Falaremos em breve.

(Tradução: Jorge Henrique Bastos)
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados

ao amanhecer esse amanhecer
mais noite que a noite.
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
Não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem: rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara: ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
A noite nada sabe dos cantos da noite
É o que é como sou o que sou:
E em percebendo isto percebo melhor a mim

E a você. Só nós dois podemos trocar
Um no outro o que cada um tem para dar.
Só nós dois somos um, não você e a noite,

Nem a noite e eu, mas você e eu, sozinhos,
Tão sozinhos, tão profundamente nós mesmos,
Tão mas além das casuais solitudes,

Que a noite é apenas um fundo para nós,
Supremamente fiel cada um a seu próprio eu,
Na pálida luz que um sobre o outro joga

(Tradução: Ronaldo Brito )
Isto é que é a miséria,
Nada Ter no coração.
É Ter ou nada.

É uma coisa Ter,
Um leão, um boi no seu peito,
Senti-la respirando ali.

Corazón, cachorro bravo,
Bezerro, urso de pernas tortas,
Ele prova seu sangue, não cospe.

É como um homem
No corpo de uma fera violenta.
São seus os músculos dela...

O leão dorme ao sol.
O nariz entre as patas.
Ela pode matar um homem.

(Tradução: Ronaldo Brito )
Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.


II

Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.

Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo

- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular


III

Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.


IV

Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos

Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio

Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.


V

Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada


Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
                       Porque Teu é o Reino

Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
                      A vida é muito longa

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
                       Porque Teu é o Reino

Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.


(Tradução: Ivan Junqueira)
um vinho rubro-terra me destina
a este país-braços-abertos
do coração do qual frondeja
a árvore da vida de olhos verdes

respira e assim anima
— exânime — uma estrela

me aterrorizam monumentos
grandes fantoches sobreerguidos
com frio e fogo e outras — invisíveis — armas

em parte alguma jubilou-me
um monumento ao oxigênio

todo armado de folhas
de flores e de frutos
e de outras verdades maduras


(Transcriação: Haroldo de Campos, com a colaboração do Autor.)
Depois da leitura de poemas
No serão literário da fábrica
Começa o diálogo

Um ouvinte ruivo
De face marcada por manchas solares
Ergue dois dedos

Camaradas poetas

Se eu lhes versificasse
Toda a minha vida
O papel ficaria rubro

E pegaria fogo

(Tradução: Aleksandar Jovanovic)
Pelas estradas da profundeza da alma
Pelas estradas azul-celeste
A erva-daninha viaja
As estradas se perdem
Sob os pés

Enxames de pregos violentam
As plantações cansadas
As lavouras desaparecem
Do campo

Lábios invisíveis
Apagaram o campo

A dimensão triunfa
Encantada pelas palmas de suas mãos lisas
Cinzalisas

(Tradução: Aleksandar Jovanovic)
Cinco horas.
O sono é leve, em manchas na vidraça.
O dia vai buscar na cor a água fresca,
Cascateante, da noite.

E é como se a água se simplificasse
Sendo luz ainda mais, que tranqüiliza,
Mas, o Um rasgando-se na perna escura, vais
Perder-te onde bebeu a boca na acre morte.

(A cornucópia com o fruto rubro
Ao sol que vai girando. E o barulho todo
De abelhas dessa impura e doce eternidade
No tão próximo prado ainda tão ardente).
Já faz muitos, muitos anos,
Em V.,
Vimos o tempo vir diante de nós
Que estávamos a olhar pela janela aberta
Do quarto acima da capela.
Era um gavião
Voltando ao ninho no oco da parede.
Segurava no bico uma serpente morta.
Quando nos viu
Deu um grito de cólera e de angústia pura
Mas sem largar a presa e, imóvel
Na luminosidade da alva,
Formou com ela o próprio signo
Do princípio, do meio e do fim.

E havia ali
No país de verão, bem rente ao céu.
Muitos vasos, cerrados; e de cada um
Erguia-se uma chama; e cada chama
Tinha uma cor outra, que soava,
Vapor ou sonho, ou mundo, sob a estrela
Dir-se-ia uma faina de almas, esperadas
Num trapiche na ponta de urna ilha.

Pensava estar ouvindo palavras, ou quase
(Quase, seja por falta ou por excesso
Da enferma potência da linguagem),
Passar, como se fosse um tremer do calor
No ar fosforescente que fazia unia
De todas essas cores de que algumas
Me pareciam, longe, ser desconhecidas.

Eu as tocava, elas não queimavam.
Eu estendia a mão, não, não pegava nada
Desses cachos de fruta outra que a luz.
A vida apressada nos leva em corrida
Em busca dos desejos incompletos.
Nos vemos distantes da terra amada
Do torrão natal.

Um dia voltamos embevecidos
Olhamos a paisagem
A face do amigo
Do parente
Do irmão...

Por que não temos mais tempo
De olhar o natural
De escolher o universal
De sentir o calor humano?

Assim como à terra natal
Deixamos os amigos
Sem notícia.
E nesta corrida louca
Em busca de sobrevivência
Onde se ter tempo de fazer poesia
A não ser em resposta a uma carta sua...

Se a saudade apertar
E não chegar a resposta
Foi culpa dos correios
Espere a minha chegada
Para tomarmos chá com torradas
Um porto
E conversarmos mais um pouco.
A noite chegou clara
Bonita, estrelada.
A vida parou escura
Triste, faminta.
Ele procurou o que comer
E encontrou estrelas no céu,
Procurou abrigo para o frio
Mas só viu o infinito,
Tristemente,
Com frio e fome
Não pôde ver beleza na noite,
Não pôde sentir o seu calor,
Nem murmurar o seu nome...
Entre a árvore a brisa brinca
Com a víbora que me veste;
Um sorriso, que o dente trinca
E o apetite apresta ao teste,
Sobre o Jardim arrisca a cauda,
E meu triângulo esmeralda
Mostra a língua de duplo fio...
Cobra serei, mas cobra arguta,
Cujo veneno, ainda que vil,
Deixa longe a douta cicuta!

(Tradução: Augusto de Campos)
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos - risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!

(Tradução: Haroldo de Campos)

Como carregar um iPod com Gatorade e Cebola


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Yeah Yeah Yeahs - Down Boy


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Link: http://youtube.com/watch?v=ZUo18qnTV-g
Viver ou morrer de amor,
É uma premissa bastante forte.
Na competição entre o frio e o calor
Contemos com habilidade e sorte.

Para enfrentar as incertezas da vida,
Conto comigo e minha companheira.
A bolina da jangada de minha lida,
Vento seguro e suavidade costumeira.

Para gozar as venturas da existência
Faz-se mister uma mulher especial,
A quem se ligar com profundidade.

Sintonia não surge com freqüência,
Afora paixão e ternura sem igual,
E uma promessa vívida de felicidade.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Dói muito seguir, me afastar,
Com tua presença ainda viva,
Deixar algo inconcluso, caminhar.
Cheiro, sabor, lembrança ativa.

Fechar à força este quarto,
Procurar, e encontrar outra alma!
E o que sinto, com quem reparto?
Engulo, tento seguir com calma.

Eu sou metido a valente,
Tento seguir impávido, resoluto.
Mas é difícil se manter contente,

Atravessar o abismo num minuto,
Ser honesto, firme, coerente,
E manter o coração impoluto.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
A morte vem de longe
Do fundo dos céus
Vem para os meus olhos
Virá para os teus
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca inesperada
Ela que é na vida
A grande esperada !
A desesperada
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Amo na vida as coisas que têm sumo
E oferecem matéria onde pegar
Amo a noite, amo a música, amo o mar
Amo a mulher, amo o álcool e amo o fumo.

Por isso amo o caju, em que resumo
Esse materialismo elementar
Fruto de cica, fruto de manchar
Sempre mordaz, constantemente a prumo.

Amo vê-lo agarrado ao cajueiro
À beira-mar, a copular com o galho
A castanha brutal como que tesa:

O único fruto – não fruta – brasileiro
Que possui consistência de caralho
E carrega um culhão na natureza.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o sumo bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: - Vem!

...

E a vida vai tecendo laços,
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos são pedaços
vivos de nosso próprio ser

A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel...

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Temo por meus olhos
diante das puras vestes.
E no entretanto, desejo.

Temor que sugere o epílogo
de ser cântaro partido
ao lado de fonte pródiga.

A não contemplar, prefiro
definitiva cegueira.

Não como os homens cegos,
mas como os pés das crianças
que são cegos, caminhando.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Não me inquieta se o caminho
que me coube - por secreto
desígnio - jamais floresce.
Dentro de mim, sei que existe,
oculta, uma rosa branca.
Incólume rosa. E branca.

Não pude colhê-la: mal
nascera e logo perdi-me
nos labirintos do tempo,
onde desde então pervago
apenas entressonhando
aquilo que sou - e vive
no recôncavo da rosa.

Sem conhecer-me, padeço
o mistério de existir
em amargo desencontro
comigo mesmo. No entanto,
pesar tão largo se apaga
quando pressinto: na rosa,
mistério não há. Nenhum.
Sem medo de trair-me a face,
posso morrer amanhã.
Extinto o jugo do tempo,
olhos nem boca haverá
- para a queixa e para a lágrima -
se em vez de rosa, de pétala
cinza de pétala, apenas
existir a escuridão.
O vazio. Nada mais.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
I

A couraça das palavras
protege o nosso silêncio
e esconde aquilo que somos

Que importa falarmos tanto?
Apenas repetiremos.

Ademais, nem são palavras.
Sons vazios de mensagem,
são como a fria mortalha
do cotidiano morto.
Como pássaros cansados,
que não encontraram pouso
certamente tombarão.

Muitos verões se sucedem:
o tempo madura os frutos,
branqueia nossos cabelos.
Mas o homem noturno espera
a aurora da nossa boca.


II

Se mãos estranhas romperem
a veste que nos esconde,
acharão uma verdade
em forma não revelável.
(E os homens têm olhos sujos,
não podem ver através.)

Mas um dia chegará
em que a oferenda dos deuses,
dada em forma de silêncio,
em palavra transfaremos.

E se porventura a dermos
ao mundo, tal como a flor
que se oferta - humilde e pura - ,
teremos então cumprido
a missão que é dada ao poeta.
E como são onda e mar,
seremos palavra e homem.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
nem se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Esta terra é desmedida
e devia ser comum,
Devia ser repartida
um toco pra cada um,
mode morar sossegado.

Eu já tenho imaginado
Que a baixa, o sertão e a serra,
Devia sê coisa nossa;
Quem não trabalha na roça,
Que diabo é que quer com a terra?

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Na seca inclemente do nosso Nordeste,
O sol é mais quente e o céu mais azul
E o povo se achando sem pão e sem veste,
Viaja à procura das terra do Sul.

De nuvem no espaço, não há um farrapo,
Se acaba a esperança da gente roceira,
Na mesma lagoa da festa do sapo,
Agita-se o vento levando a poeira.

A grama no campo não nasce, não cresce:
Outrora este campo tão verde e tão rico,
Agora é tão quente que até nos parece
Um forno queimando madeira de angico.

Na copa redonda de algum juazeiro
A aguda cigarra seu canto desata
E a linda araponga que chamam Ferreiro,
Martela o seu ferro por dentro da mata.

O dia desponta mostrando-se ingrato,
Um manto de cinza por cima da serra
E o sol do Nordeste nos mostra o retrato
De um bolo de sangue nascendo da terra.

Porém, quando chove, tudo é riso e festa,
O campo e a floresta prometem fartura,
Escutam-se as notas agudas e graves
Do canto das aves louvando a natura.

Alegre esvoaça e gargalha o jacu,
Apita o nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre as verduras,
Beijando os primores do meu Cariri.

De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vagalumes.
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes.

Se o dia desponta, que doce harmonia!
A gente aprecia o mais belo compasso.
Além do balido das mansas ovelhas,
Enxames de abelhas zumbindo no espaço.

E o forte caboclo da sua palhoça,
No rumo da roça, de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo, contente,
Lançar a semente na terra molhada.

Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel, prazenteiro, modesto e feliz,
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso de nosso país.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Chegando o tempo do inverno,
Tudo é amoroso e terno
Sentindo o Pai Eterno
Sua bondade sem fim.
O nosso sertão amado,
Estrumicado e pelado,
Fica logo transformado
No mais bonito jardim.

Neste quadro de beleza
A gente vê com certeza
Que a musga da natureza
Tem riqueza de incantá.
Do campo até na floresta
As ave se manifesta
Compondo a sagrada orquesta
Desta festa naturá.

Tudo é paz, tudo é carinho,
Na construção de seus ninho,
Canta alegre os passarinho
As mais sonora canção.
E o camponês prazentero
Vai prantá fejão ligero
Pois é o que vinga premero
Nas terras do meu sertão.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Quero um chefe brasileiro
Fiel, firme e justiceiro
Capaz de nos proteger
Que do campo até à rua
O povo todo possua
O direito de viver

Quero paz e liberdade
Sossego e fraternidade
Na nossa pátria natal
Desde a cidade ao deserto
Quero o operário liberto
Da exploração patronal

Quero ver do Sul ao Norte
O nosso caboclo forte
Trocar a casa de palha
Por confortável guarida
Quero a terra dividida
Para quem nela trabalha

Eu quero o agregado isento
Do terrível sofrimento
Do maldito cativeiro
Quero ver o meu país
Rico, ditoso e feliz
Livre do jugo estrangeiro

A bem do nosso progresso
Quero o apoio do Congresso
Sobre uma reforma agrária
Que venha por sua vez
Libertar o camponês
Da situação precária

Finalmemte, meus senhores,
Quero ouvir entre os primores
Debaixo do céu de anil
As mais sonoras notas
Dos cantos dos patriotas
Cantando a paz do Brasil

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Nunca diga nordestino
Que Deus lhe deu um destino
Causador do padecer
Nunca diga que é o pecado
Que lhe deixa fracassado
Sem condições de viver

Não guarde no pensamento
Que estamos no sofrimento
É pagando o que devemos
A Providência Divina
Não nos deu a triste sina
De sofrer o que sofremos

Deus o autor da criação
Nos dotou com a razão
Bem livres de preconceitos
Mas os ingratos da terra
Com opressão e com guerra
Negam os nossos direitos

Não é Deus quem nos castiga
Nem é a seca que obriga
Sofrermos dura sentença
Não somos nordestinados
Nós somos injustiçados
Tratados com indiferença

Sofremos em nossa vida
Uma batalha renhida
Do irmão contra o irmão
Nós somos injustiçados
Nordestinos explorados
Mas nordestinados não

Há muita gente que chora
Vagando de estrada afora
Sem terra, sem lar, sem pão
Crianças esfarrapadas
Famintas, escaveiradas
Morrendo de inanição

Sofre o neto, o filho e o pai
Para onde o pobre vai
Sempre encontra o mesmo mal
Esta miséria campeia
Desde a cidade à aldeia
Do Sertão à capital

Aqueles pobres mendigos
Vão à procura de abrigos
Cheios de necessidade
Nesta miséria tamanha
Se acabam na terra estranha
Sofrendo fome e saudade

Mas não é o Pai Celeste
Que faz sair do Nordeste
Legiões de retirantes
Os grandes martírios seus
Não é permissão de Deus
É culpa dos governantes

Já sabemos muito bem
De onde nasce e de onde vem
A raiz do grande mal
Vem da situação crítica
Desigualdade política
Econômica e social

Somente a fraternidade
Nos traz a felicidade
Precisamos dar as mãos
Para que vaidade e orgulho
Guerra, questão e barulho
Dos irmãos contra os irmãos

Jesus Cristo, o Salvador
Pregou a paz e o amor
Na santa doutrina sua
O direito do bangueiro
É o direito do trapeiro
Que apanha os trapos na rua

Uma vez que o conformismo
Faz crescer o egoísmo
E a injustiça aumentar
Em favor do bem comum
É dever de cada um
Pelos direitos lutar

Por isso vamos lutar
Nós vamos reivindicar
O direito e a liberdade
Procurando em cada irmão
Justiça, paz e união
Amor e fraternidade

Somente o amor é capaz
E dentro de um país faz
Um só povo bem unido
Um povo que gozará
Porque assim já não há
Opressor nem oprimido

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

Fonte: Projeto Releituras
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
E espere um instante ocasional
Neste curto intervalo Deus prepara
E lhe oferta a palavra inicial

Ai, adote uma atitude avara
Se você preferir a cor local
Não use mais que o sol da sua cara
E um pedaço de fundo de quintal

Se não procure o cinza e esta vagueza
Das lembranças da infância, e não se apresse
Antes, deixe levá-lo a correnteza

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
Dentro da escuridão a vã certeza
Ponha tudo de lado e então comece.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Entre silêncio e sombra se devora
e em longínquas lembranças se consome
tão longe que esqueceu o próprio nome
e talvez já não sabe por que chora

Perdido o encanto de esperar agora
o antigo deslumbrar que já não cabe
transforma-se em silêncio por que sabe
que o silêncio se oculta e se evapora

Esquiva e só como convém a um dia
despregado do tempo, esconde a tua face
que já foi sol e agora é cinza fria

Mas vê nascer da sombra outra alegria
como se o olhar magoado contemplasse
o mundo em que viveu, mas que não via.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Navegador de bruma e de incerteza,
Humilde me convoco e visto audácia
E te procuro em mares de silêncio
Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho
Em minhas mãos desconcertados rumos
E vagos instrumentos de procura
Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,
Desprendo-me do ouro do meu sangue
E da ferrugem simples dos meus ossos,
E te aguardo com loucos estandartes
Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel
Além da chuva que reveste o tempo
E que alimenta o musgo das paredes
Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,
Pois muito mais que um peixe és arredia
Em cardumes escapas pelos dedos
Deixando apenas uma promessa leve
De que a manhã não tarda e que na vida
Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,
Além de peixe e mais que saltimbanco,
Forma imprecisa que ninguém distingue
Mas que a tudo resiste e se apresenta
Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado
E dividido em faces, mais te cerco
E se não te domino então contemplo
Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,
E sei que és mais que astúcia e movimento,
Aérea estátua de silêncio e bruma

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)
Quando mais nada resistir que valha
A pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha)

Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha

A arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.

Fonte: Departamento de Física - UFPB (Professor Romero Tavares da Silva)

Christian Ferras - Berceuse (Fauré)


Link: http://youtube.com/watch?v=cOsPDwWc4PA

Link: http://youtube.com/watch?v=sPFMV_hQA2U

Link: http://youtube.com/watch?v=0zkXvb2PLYQ

Wilhelm Kempff - Arabesque, Op.18 (Schumann)


Link: http://youtube.com/watch?v=IgHf3xu8ElI

Link: http://youtube.com/watch?v=LfjD-DQ5REk

Link: http://youtube.com/watch?v=4A_OPgtBnsc

Link: http://youtube.com/watch?v=iZYdQnzDZ3Q

Link: http://youtube.com/watch?v=Fccrd8cMKNA

Link: http://youtube.com/watch?v=ZrreuOybZs4

Devo – Whip It


Link: http://youtube.com/watch?v=rxH39QlRuhg
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